terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Chove chuva, chove sem parar...


Ronald Corrêa

Nos meus tempos de menino, o cheiro do encontro da chuva com o asfalto quente era como um bálsamo que ora embalava as noite de sono, ora enchia de energia o corpo que se embrenhava meio aos pingos do céu à procura das biqueiras, espécie de cachoeiras criadas pelos telhados das casas da vizinhança.

A chuva cumpria uma dupla finalidade: alimentava na solidão do quarto o sono, muitas vezes furtivo, ou era o mote para reunir a tribo de ‘curumins’ que saudavam como verdadeiros índios, com desajeitados gritos e correria, o banho celestial.

Agora há pouco me veio uma dose de nostalgia desse tempo em que tudo isso me era permitido. Aqui, no apartamento envolto por um calor massacrante, senti aquele cheiro da infância invadindo sutilmente pelas janelas minha ‘sauna’ particular. Corri até o quarto e estendi a mão para alcançar um pouco dos tímidos pingos que ousavam cair próximo a mim. Para minha surpresa ao passar a vista pelos prédios à minha volta, percebi que não era o único que estava à janela contemplado o frescor daquela leve e fina chuva. Alguns outros moradores, uns apenas a observar, absortos, um ponto de fuga qualquer na imaginação, outros também com seus braços estendidos para aumentar o frescor, comungavam comigo daquele momento.

A concorrência era grande, porque nas TVs que eu conseguia avistar, como que em um nado sincronizado, era possível ver a simultaneidade das telas que exibiam em todas as salas o mesmo programa: um reality show da emissora mais poderosa do país!

Uma tribo formada por pouco mais de uma dúzia de agora ex-curumins saudavam o presente caído das estrelas, talvez lembrando tempos idos só despertos nesses momentos. Lá embaixo, dois adolescentes corriam fugindo dos pingos. Aqui em cima, alguns ‘envelhescentes’ com uma baita vontade de se jogar na chuva, correndo para a biqueira mais próxima, abrindo os braços com os rostos voltados para o céu, regando na memória instantes da mais feliz saudade.

E assim, não podendo tomar o banho, senão em pensamento, nos resta o consolo de que, pelo menos, o frescor e o aroma da chuva cumpra sua outra finalidade: alimentar na solidão do quarto, nossos sonos e nossos sonhos.

                                                                                             15.01.2013