Ronald Corrêa
Nos meus tempos de menino, o cheiro do encontro da chuva com
o asfalto quente era como um bálsamo que ora embalava as noite de sono, ora
enchia de energia o corpo que se embrenhava meio aos pingos do céu à procura
das biqueiras, espécie de cachoeiras criadas pelos telhados das casas da
vizinhança.
A chuva cumpria uma dupla finalidade: alimentava na solidão
do quarto o sono, muitas vezes furtivo, ou era o mote para reunir a tribo de ‘curumins’
que saudavam como verdadeiros índios, com desajeitados gritos e correria, o
banho celestial.
Agora há pouco me veio uma dose de nostalgia desse tempo em
que tudo isso me era permitido. Aqui, no apartamento envolto por um calor
massacrante, senti aquele cheiro da infância invadindo sutilmente pelas janelas
minha ‘sauna’ particular. Corri até o quarto e estendi a mão para alcançar um
pouco dos tímidos pingos que ousavam cair próximo a mim. Para minha surpresa ao
passar a vista pelos prédios à minha volta, percebi que não era o único que
estava à janela contemplado o frescor daquela leve e fina chuva. Alguns outros
moradores, uns apenas a observar, absortos, um ponto de fuga qualquer na
imaginação, outros também com seus braços estendidos para aumentar o frescor, comungavam comigo daquele momento.
A concorrência era grande, porque nas TVs que eu conseguia
avistar, como que em um nado sincronizado, era possível ver a simultaneidade das
telas que exibiam em todas as salas o mesmo programa: um reality show da
emissora mais poderosa do país!
Uma tribo formada por pouco mais de uma dúzia de agora ex-curumins
saudavam o presente caído das estrelas, talvez lembrando tempos idos só
despertos nesses momentos. Lá embaixo, dois adolescentes corriam fugindo dos
pingos. Aqui em cima, alguns ‘envelhescentes’ com uma baita vontade de se jogar
na chuva, correndo para a biqueira mais próxima, abrindo os braços com os
rostos voltados para o céu, regando na memória instantes da mais feliz saudade.
E assim, não podendo tomar o banho, senão em pensamento, nos
resta o consolo de que, pelo menos, o frescor e o aroma da chuva cumpra sua outra
finalidade: alimentar na solidão do quarto, nossos sonos e nossos sonhos.
15.01.2013
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