sábado, 26 de fevereiro de 2011

Loucura, loucura, loucura

Logo agora que já estava me dando por satisfeito de que um pouco de loucura faz bem e é até necessária, minhas idéias voltam a se embananar. Tudo por conta de um pré-requisito pedido pelo Estado para o ingresso no serviço público: um tal atestado de sanidade mental. Veja lá que doideira: o cara é aprovado em um concurso, é chamado depois de mais de 2 anos de espera e tem que provar que é normal! Deve ser coisa de louco mesmo querer entrar para o funcionalismo estatal e se sujeitar a esperar longos 2 anos. Pensando bem eles tem razão em nos pedir o fatídico atestado.
E assim fui eu, em plena sexta-feira, 6 da manhã, a cara ainda meio amassada e o sono ainda incomodando. No carro, para me distraí, ouvia “Ok song” do Orson, mas nada estava ok, é claro. Uma linda manhã começava a despontar ensolarada e eu ali indo pro hospital psiquiátrico! Meu medo maior era não apenas ser reprovado e não receber o atestado de são, mas também de ter que ficar logo por lá mesmo em uma espécie estágio probatório.
Já nas dependências do hospital, sou encaminhado a uma quadra de esporte em que uma pequena arquibancada servia de sala de espera aos pacientes e impacientes, como eu. De um lado, a fila dos ditos normais que estavam ali a espera simplesmente do atestado, de outro a fila dos menos normais que procuravam ajuda médica. Ao meu lado uma garota, meio assustada, que volta e meia olhava para todos os lados, me pergunta se os internos ficavam trancados em algum lugar longe dali. Respondi que não, que esse tipo de tratamento já havia sido abolido e que os internos vagavam normalmente - se é que se pode dizer assim - pelas dependências do hospital. Daí vejo um rapaz atrás de mim meio sonolento, sendo aos poucos tragado por longas pestanejadas e digo a garota fazendo um leve sinal com a cabeça em direção a ele:
- Olha só como eles até parecem normais!
Ela me olha impassiva, levanta-se e vai sentar-se um pouco mais distante! Será se pensou mesmo que o rapaz era louco? Será que pensa ser a loucura contagiosa? Ou será que pensou que eu é que fosse o louco?
Passadas algumas horas já me sentia meio a vontade ali. Minha preocupação aumentava, porque se sentir à vontade em um hospital psiquiátrico já poderia ser o primeiro indício de loucura.
Aos poucos fui identificando algumas figuras interessantes. De longe, vi um velho senhor, carcomido pelo tempo, com longos e surrados tênis olimpikus, que pareciam ser bem maiores que seus pés. Ele andava por toda a extensão da quadra. Em determinados momentos ele parava, ajoelhava-se e, genuflexo, beijava o chão. Em meus pensamentos mais sórdidos lhe pus a alcunha de João Paulo II. O pior é que minha cabeça já estava tão afetada que juro que ouvia o “a benção João de Deus, a este povo que te abraça...” a toda vez que o pobre senhor repetia o gesto de beijar o chão.
Uma outra interna passava várias vezes pelo grupo que estava ali na arquibancada e acenava, cumprimentando alguns. Ela tinha um sorriso fácil no rosto e um andar aligeirado, como se não pudesse perder tempo ali com aquelas pessoas todas. Era uma espécie de secretária de estado, uma política nata. Daquelas que gosta de mostrar o rosto, de parecer simpática, mas não se demora em delongas e mantém um distanciamento discreto do povo. Acho que votaria nela.
Havia ainda um outro rapaz, aparentando ter menos de 30 anos, com uma bermuda jeans desgastada, sustentada por um pequeno fio de plástico que fazia às vezes do cinto ausente. Ele rondava a quadra esportiva, mas pelo lado de fora, sempre com as mãos voltadas para trás. Olhava atentamente o movimento que se passava ali e parecia conversar consigo. Em determinado momento ele entrou na quadra e pegou o João Paulo II, dizendo que iria levá-lo para fora. A dona secretária foi lá intervir em nome do Papa, ao que o rapaz do cinto de fio de plástico lhe disse:
- Sou o segurança daqui e se a senhora quiser bagunçar vai junto!
A secretaria que de doida não tinha nada, limitou-se a sair discretamente dali, vendo sua santidade o beijoqueiro, sendo levado para fora.
Do meu lado uma senhora, que fez não perceber o acontecimento, me perguntava se eu tinha assistido o Big Brother. Fiquei assustado, pensei lá com meus botões que essa sim deveria ser maluca. Falei que não, que não gostava e que não havia visto nenhuma das edições do programa. Ela me respondia que era muito bom, que eu devia assistir. Perguntei o que tinha de bom num programa como esse.
- Ajuda a passar o tempo, respondeu-me ela depois de uma longa pausa como que procurando uma plausível justificativa.
A secretária que já estava novamente ali cortejando os pacientes e impacientes, ouvia de perto minha conversa com a senhora. Como de doida a secretária decididamente não tinha nada, resolveu entrar na conversa e deu seu palpite.
- Esse big bródi num tem nada que presti moço, mas é bom demais a gente falar da vida dos outros (risos)... (p.s: esquizofrênicos!).
 Foi a conclusão mais perfeita que encontrei para o sucesso do ridículo BBB. Em verdade a doidinha lá estava completa de razão. O povo gosta mesmo é de se preocupar com a vida dos outros. Somos o país das marocas, dos fuxicos, das fofoqueiras. E o BBB é a oportunidade que se tem para, nacionalmente, exercermos nossa índole de palpiteiros sobre a vida dos outros.
Minha preocupação só aumentava. Já tava até achando que a secretária era normal!
Por fim, depois de mais de três horas e meia de espera finalmente fomos atendidos. Já estava quase que dado por satisfeito se não conseguisse o atestado, mas aí veio o mais interessante. Recebi o atestado devidamente preenchido com meu nome, identidade, e nem sequer vi o rosto do médico. Na verdade ele nem lá estava. Quem assinou foi uma funcionária da burocracia que certamente não tinha conhecimento de causa nenhum que desse àquele atestado alguma veracidade. Coisa de louco!
Já na saída, vi com mais calma o atestado, em que dizia que eu havia sido devidamente avaliado naquela Unidade de Saúde e que até o presente momento me encontrava com perfeitas condições de saúde mental. Pairou-me a dúvida. Fez-se uma longa pausa. Olhei para trás, vi ainda ao longe o João Paulo II caminhando lentamente e cabisbaixo, talvez paquerando o próximo pedaço de solo a ser beijado. Em um outro canto estava a secretária que agora fumava um cigarro, absorta a acompanhar o movimento da fumaça.
Meio perturbado com o resultado do atestado segui em frente, liguei o carro, pus o som e novamente escutei “Ok song” do Orson, mas nada, absolutamente nada, estava ok!  
      

Ronald Corrêa
(25.01.2008)

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