sábado, 26 de fevereiro de 2011

Pilão, Etiquetas, Histórias e Estórias...

No dia 24 de novembro, meu aniversário, ganhei do Dr. Carlos Jorge um pilão. Isso mesmo: um pilão! Instrumento muito comum nos interiores onde são utilizados largamente pelas mulheres para socar e descascar o arroz. O pilão que ganhei, entretanto, é um pouco diferente: “O pilão da madrugada” livro do José Louzeiro baseado em um esplêndido depoimento do Neiva Moreira.
Ontem, 11 de janeiro, o pilão me teve grande utilidade. Não, não o usei para descascar arroz, de forma alguma. Sua serviência foi ser o mote para uma deliciosa conversa ao longo da noite. Estava em companhia de meu pai, do amigo e ex-professor Wilson Campelo e do Dr. Carlos Jorge, advogado e prosador de primeira. Este último, ao me ver chegando com o livro do Neiva, com que houvera me presenteado, perguntou se eu já estava usando o Pilão. Ao que lhe respondi que, com ele, o pilão, eu estava finalmente descobrindo um pouco da recente história do nosso estado. E assim, ao som da sinfonia de grilos, sob o céu prá lá de estrelado - típico da Marçalina, e regado ao tradicional Whisky, fomos resgatando num papo bem descontraído fatos históricos e outros, digamos, ‘estóricos’.
A conversa girava em torno da memória, ou melhor, da falta de memória de nosso povo. Em Cem anos de solidão, Gabriel Garcia Márquez ilustra em uma linda passagem (uma das minhas preferidas) uma estranha doença que acometeu a população de Macondo e causava insônia em seus moradores. Aos poucos, o excesso de vigília começou a afetar a memória das pessoas chegando ao ponto em que, para não esquecer o nome dos objetos, pessoas e locais, era preciso por etiquetas sobre estes, com seus respectivos nomes. Em nossa afável conversa em torno do pilão, entre uma dose e outra, fomos etiquetando momentos vividos.
Eu reclamava de nossa falta de registros sobre marcos importantes de nossa recente história, e exemplificava dizendo que até então, depois de peregrinar por várias livrarias da cidade, tinha encontrado apenas um livro que tratava sobre a greve da meia-passagem de 1979.
Marco do movimento estudantil maranhense e estopim de uma leva considerável de futuros homens públicos, a greve é tratada com menoscabo em nossas salas de aula.
Professor Wilson me falava que naquela ocasião, havia escapado por pouco de um batalhão inteiro de soldados que vinha em sua direção na Avenida Kennedy, conseguindo refugiar-se a tempo. Já Carlos Jorge dizia não ter tido a mesma sorte.
Integrante do DCE da UFMA, que estava à frente daquela mobilização, ao seguir com um grupo pela Rua da Paz em direção ao Palácio dos Leões com o intento de entregar uma abaixo-assinado que reunia mais de 30.000 assinaturas, Jorge e os demais manifestantes foram surpreendidos por um pelotão de Policiais Militares que literalmente pisoteou a vontade de toda aquela população. E assim vinham à tona diversas estórias que se entremeavam à história que tanto nos é furtadas.
Lembrei de que a greve de 1951, outro marco de nossa história passaria em branco por mim se não fosse as maravilhosas estórias que me são resgatadas pelo meu avô, o Seu Álvaro, homem comum que tem uma memória que me assusta. Sempre que estou a tomar uma cervejinha no comércio do Seu Álvaro, recebo de cortesia além do relato de suas estripulias (imaginem que ele teve a audácia de subir na estátua do Duque de Caxias que fica em frente ao Quartel do Exército e “cavalgar” com o cara!), um bocado de estórias impressionantes que nem sempre figuram nos livros de história. Foi com ele que aprendi um pouco da grande greve de 1951. Wilson Campelo, bem mais velho do que eu, disse ali, depois de uma pomposa dose de whisky, que nunca houvera antes sabido nada sobre tal greve.
É triste, mas é fato, que nossa tradição de registro escrito corre a léguas da rica tradição de oralidade que temos. De boca em boca ouvimos e conhecemos muito sobre fatos importantes, mas como dizia Machado de Assis, “a nossa memória é uma rua escura cheia de becos: não se pode confiar tão somente nela, na memória”.
O Pilão da madrugada é assim uma maravilhosa luz nessa rua escura, uma etiqueta que o jornalista Neiva Moreira põe sobre nossa história e que merece ser lido por todo e qualquer cidadão que não quer padecer na tenebrosa noite de insônia que, qual na Macondo do Garcia Márquez, insisti em fazermos esquecer ou simplesmente desconhecer a riqueza das pessoas, dos objetos e locais do nosso Maranhão. Vale a pena usar o pilão.

Ronald Corrêa
(12.01.2008)

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