segunda-feira, 16 de maio de 2011

Cotidiano sujo


A escrita suja de Bukowski me fascinou desde a primeira leitura. Os contos, crônicas e poemas sujos (bem mais do que o de Gullar), exerceram de imediato, um encanto. Às vezes, perguntava se havia em mim alguma coisa mórbida que me fazia ter tanto apreço pelos textos do velho Buk. Vendo agora alguns scraps e e-mails que recebo, nossa TV e nossos políticos, da pra entender que o que é existe é uma perfeita sincronia entre os escritos malditos e nosso não menos maldito cotidiano.
Primeiro, foram as fotos do acidente que vitimou os Mamonas Assassinas anos atrás. Seguiram a estas, as imagens da queda do vôo da Gol em matas do Pará. Recentemente, me surpreendeu um e-mail com as supostas fotos do resgates dos corpos da queda do vôo 447 da Air France nas águas abissais do Atlântico. Como poderia alguém ter feito fotos dos corpos, se só a aeronáutica teve acesso ao local? E ainda tem gente que acredita e abre tais e-mails.
O último e não menos mórbido, foi um scrap que dizia conter imagens do embalsamamento do corpo de Michael Jackson. O próprio astro já me parecia, por demais, insólito. O seu embalsamento vá lá...
  Confesso que já me senti horrorizado com essas coisas. Hoje, nem tanto. Afinal, o que parece é que na era do espetáculo, das celebridades frívolas e do sucesso efêmero, tudo é válido para chamar a atenção. Os reality shows que invadem nossas casas (e que de real só tem o nome) são a prova cabal da decadência dos princípios éticos e do bom senso O jogo sujo, as trapaças e os conchavos que vemos nesses programas refletem em miniatura o que os nossos representantes fazem em Brasília em proporções gigantescas.
Bukowski, que se autodenominava o velho safado, deixou de me chocar quando vi os seus personagens imundos representados por nossos também políticos. A literatura suja cria vida na política suja de um dinossauro como o presidente do senado José Sarney (será que ele autodenomina-se de alguma coisa?), que tenta transformar o país em sua ilha particular de mandos e desmandos. O Brasil vira Curupu sob a pena do literato que bebe Maquiavel e vocifera Rousseau.
E assim, seguimos nosso penoso dia a dia, em meio à fotos de astros sendo embalsamados, corpos boiando no Atlântico, fantoches se digladiando em reality shows, políticos fazendo o papel de Dorian Gray, e nós, pobre mortais, sempre a reclamar de tudo. A literatura suja do velho safado está mais viva que nunca e, pro azar dele, o cenário hodierno é um prato cheio para sua afiada escrita. Nestes dias cinzentos, ainda vale à penas seguir o conselho do poeta maldito:
“Se vai tentar,
Vá em frente.
Não há outro sentimento como este
Ficará sozinho com os Deuses
E as noites serão quentes
Levará a vida com um sorriso perfeito
É a única coisa que vale a pena.”
(Bukowski)
Pois é, aproveite e sorria, sorria muito. Garanto que você não está sendo filmado!
P.S. Se tiver tempo, leia Bukowski.

Ronald Corrêa
(09.07.09)

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