Escrever era para ser bem mais que um ofício, deveria ser um prazer. Prazer não nasce do nada, não cai de céu e muito menos vem escrito no DNA. Confesso que sempre achei que o prazer precisa de um pouco de dor. É como a história da viúva negra que sempre mata seu parceiro depois de lhe oferecer toda sua libido ou como a mãe, que depois do dolorido parto, leva a vida a amar sua cria. Gosto de me impor o dever, a obrigação, de escrever. As idéias nem sempre são amigas e por vezes se exilam longe da vontade das mãos. As idéias têm vida própria e nem adianta forçar a barra, isso só causaria mais dor.
Assim, deitado à rede, sob o ranger da escapula não lubrificada, notebook ligado, Word com sua folhinha em branco e a única coisa à vista era o meu reflexo na tela. Idéia se existia era sobre minha barriga que, refletida na tela, confirmava que, a despeito dos meus esforços, continuava crescendo! Por cima do notebook vejo minha pequena estante de livros recém arrumados. Foi um trabalho árduo de início, pois minha intenção era separar os livros, os CDs e os discos de vinil de forma organizada: livros de Direito em um canto, livros sobre em Educação em outro, os de Filosofia em outra parte e os de Literatura em seu devido espaço. Da mesma forma, os CDs: MPB aqui, rock ali, reggae acolá... Os vinis teriam também seu nicho próprio. Vã tentativa. Meu senso de organização perdeu-se em algum recôncavo de minha turva cabeça. Além disso, a paciência é sempre menos do que desejamos.
Depois de simplesmente encaixar os livros aleatóriamente, achei muito engraçado a forma como ficaram dispostos. Antoni Zabala colou-se ao Sergio Rouanet, que por sua vez ficou ligado à Lya Luft. O sempre divertido Luis Fernando Verissimo tornou-se vizinho do Steve Connor. Já imaginou o Verissimo conversando sobre “Bandeira Branca” com o sisudo Connor e sua Cultura Pós-Moderna? Seria bacana, não?
Nosso conterrâneo Ferreira Gullar fez par com os três Cadernos do Cárcere do Gramsci. Imaginei o filósofo italiano falando sobre Hegemonia e o Gullar, atento e contemplativo, lembrando dos anos de exílio na Argentina e do seu Poema Sujo.
Cornelius Castoriadis unia-se ao Perrenoud. Este último deveria está matutando com seus botões: “além das 10 novas competências para ensinar, deveria criar uma décima primeira para tornar o Castoriadis compreensível ao leigo?”. Juro que isso me seria muito útil.
Umberto Eco avizinhou-se à biografia do Renato Russo escrita pelo Arthur Dapieve, e os dois formaram trio com a Clarice Lispector. Um pouco à esquerda e sem qualquer conotação política, estavam os russos Tolstoi, Tchekov, Turguniev, Gorki, Gogol e Dostoievsky coladinhos aos Contos Eróticos do Luiz Vilela. Falando em erótico, devia dar pano prá manga a proximidade que se estabeleceu entre o Marques de Sade e a Martha Medeiros que ainda contavam com companhia de Saramago. Que ensaio poderia dali sair?
Mario Prata teve o prazer, que me causou inveja, de ficar colado no Fernando Pessoa. Deu até pra imaginar um pequeno diálogo:
Pessoa: O poeta é um fingidor...
Prata: ... e a mulher que fuma é, ante de tudo, sexy!
Acho que o diálogo não ia caminhar tão bem!
União nem tão estável e bem pouco provável foi a do Stanislaw Ponte Preta com o Michael Foucault. Minha cabeça perturbada contemplava o carequinha francês falando sobre Vigiar e Punir e a tia Zulmira exclamando: - Que cara mais diFOUCAULToso!!!!!!
Não menos difícil parecia a conversa do Clóvis Beviláqua e seu Introdução ao Código Civil e as Putas Triste do Gabriel Garcia Márquez.
De todo o meu vão trabalho, tive a preocupação de apenas separar dois dos meus preferidos. Primeiro deixei o Chico César e seu “Cantáteis” longe de todos, porque a sua poesia é tão singela que não dá pra colar com ninguém. E, segundo, separei a obra de Bukowski toda em um só canto, tendo como único vizinho dois livros do Woody Allen. Os motivos são meio que óbvios: Bukowski é contagioso e se ele se junta à Educação ou ao Direito, putz... Já o Woody, neurótico que é, só poderia ficar mesmo próximo do velho e rabugento Buk.
Se as idéias se exilam, o país preferido delas é o livro, os bons livros. Acho que foi bem melhor não me esforçar para separar os livros de maneira certinha, não teria graça. Melhor mesmo é economizar o esforço para minha barriga que, a despeito do meu estoicismo, continua teimosamente crescendo. Bom mesmo seria se as idéias surgissem da barriga!!!
Ronald Corrêa
25.02.2010
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