Há poucos dias, lendo uma crônica do livro “Cenas de Ruas” do conterrâneo Sebastião Jorge, intitulada São Luis sentimental, mais uma vez dei-me conta de como nos falta políticos de verdade e eleitores menos displicentes. Em um trecho bastante salutar, Jorge diz o seguinte sobre nossa cidade:
“O que falta, para se tornar identificada com os novos tempos, são os cuidados do poder público, bem como a mudança no comportamento das pessoas, a fim de que deixem de ser retrógradas.”
A crônica poderia ter sido escrita hoje, entretanto para nossa tristeza, ela data de maio sim, mas do ano de 1963. Isto mesmo, passados 48 anos e o olhar acurado do cronista de ontem nos mostra que no decorrer de quase meio século, a estúpida e perversa herança de políticos chinfrins aliada à parcimônia cívica da população, vem ajudando a transformar nossa ilha do amor em um teatro de horrores: uma Atlântida tropical que pouco a pouco submerge em meio aos desmandos da administração pública municipal.
A cidade padece, com seu corpo maculado por buracos em todos os cantos, em todas as dimensões. O trânsito, mais caótico ainda, ilustra bem a ausência do poder público: a lei é a do esperto, do apressado, do selvagem. Não há semáforos, placas ou faixas que imponham respeito. Os agentes de trânsito, para alguns casos, são tão raros quanto políticos sérios. Em outras situações porém, parecem onipresentes. Como o acontecido no dia 04 de maio, em que uma quantidade magnífica de agentes, mais de 10, de forma ignominiosa multava e ameaçava guinchar os carros estacionados em espinha a frente da Praça Gonçalves Dias. O argumento: o código de trânsito não permite aquele tipo de estacionamento. O que mais causou indignação nos condutores dos carros ali estacionados, em sua maioria Coordenadoras Pedagógicas da rede municipal e estudantes de medicina, foi o tratamento “super educado” daqueles que deveriam ter o mínimo de competência para lhe dá com pessoas, visto trabalharem com o público. A idiota síndrome do super-herói, em que o portador se considera superior aos demais mortais pelo uso de determinado uniforme, parecia ter contagiado severamente os agentes.
Uma tristeza sob vários aspectos, dentre eles:
1º - Pelo despreparo demonstrado pelos agentes públicos;
2º - Pelo desprezo ao caráter educativo (advertir) e a exacerbação do caráter coercitivo (punir);
3º - Pelo desconhecimento da palavra respeito;
4º - Pela ignorância do real papel que recai a qualquer agente investido de função pública;
5º - Pela falta de conhecimento e clareza dos dispositivos legais que deveria ser sua ferramenta de trabalho.
Com relação a este último aspecto, vejamos o que a lei diz sobre o tal estacionamento dito proibido pelos agentes de trânsito. O Código Nacional de Trânsito é enfático sobre o assunto:
Art. 48. Nas paradas, operações de carga ou descarga e nos estacionamentos, o veículo deverá ser posicionado no sentido do fluxo, paralelo ao bordo da pista de rolamento e junto à guia da calçada (meio-fio), admitidas as exceções devidamente sinalizadas. (grifo nosso)
Ora, o artigo acima deixa mais do que evidente que o estacionamento deverá ser feito paralelo ao meio-fio, tal qual afirmaram os briosos agentes de trânsito. Entretanto, os talvez esquecidos agentes não lembravam que o mesmo artigo admite exceções quando devidamente sinalizadas.
É fato: existe sinalização em sentido de espinha no local. Saber quem sinalizou não é competência do condutor. Segundo o que afirmaram os nobres agentes, a sinalização foi feita pelos flanelinhas que atuam na região. Aquilo que deveria ser motivo de vergonha, parecia ser uma vitória para os agentes, pois, se é verdade que os flanelinhas sinalizaram o local, resta provado a ausência, a omissão do poder público, da administração pública municipal que, para nosso azar, só mostra sua presença para, vilipendiosamente, multar condutores que simplesmente foram induzidos ao erro.
Pelo andar da carruagem, não será nada surpreendente se no ano que vem, aparecerem flanelinhas pleiteando o cargo maior da administração pública municipal. O que poderia até ser positivo. Quem sabe nossos estacionamentos não viessem a ser devidamente sinalizados e os nossos atenciosos agentes de trânsito, em vez de ficar em praças conferindo carros já estacionados, fossem deslocados para as avenidas congestionadas ou para os cruzamentos de vias confusos que, verdadeiramente, causam sérios problemas para nosso caótico tráfego.
É hora de seguir o conselho do Sebastião Jorge: poder público mais cuidadoso e pessoas com os olhos pra frente, nada de ser retrógrado. E de repente, flanelinhas no poder!!!! Será que ia? Quem sabe! Porque até agora o “agora vai” não foi.
Ronald Corrêa
(11.01.2011)
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