quarta-feira, 4 de maio de 2011

Gritos de Silêncio

Ronald Corrêa
A gente passa a vida inteira gastando saliva, vociferando loucamente e aprendendo os mais chatos e inúteis tempos e modos verbais. Então, chega um dia em que, sozinhos, nos sentamos em um final de tarde, sexta-feira, ali, em uma pequena e quente sala e concluímos: precisamos de silêncio.
E isso tudo parece muito estranho, pois o primeiro sinal de vida é o choro: nosso primeiro clamor! No entanto, essa primeira reação se clamor é, e penso clamor ser, é, em verdade, por termos sido tão abruptamente retirado do nosso silêncio soberano. Não é uma ode à vida, mas um lamento pelo desterro.
Engatinhamos, balbuciamos, andamos e pelos caminhos percorridos nos deparamos em frequência cada vez maior com as palavras, com os burburinhos, com os cochichos, com o canto das cidades sempre alto, sempre incompreensível. Mas ainda assim, imersos em toda essa sandice de vozes, concluímos: como é seguro o silêncio que nos protege nos momentos de maior provação.
Lembro do meu primeiro contato com a escola. Findos dos anos 70, no pátio do Jardim de Infância Gatos de Botas eu olhava assustado o corre-corre incessante dos pequenos alunos em um incompreensível frenesi. A cerâmica assustadoramente vermelha que revertia aquele imenso pátio me causava um estranho desconforto. Em um cantinho, eu me resguardava, em um funesto silêncio, olhando a tudo e a todos, qual bicho do mato acuado, pondo a gola da camisa na boca como que, inconscientemente, me auto-amordaçando.
Mas é de nossa natureza fazer uso da palavra: “no início era o verbo”. E é o dia o berço do barulho, que por sua vez, é filho do sol. Muito cedo, quando os primeiros raios solares violentam a paz da madrugada, nasce com toda força o grito. O sol queima e suas chamas impõem dor. Na dor morre o silêncio e tudo passa a ser som. Babel é a expressão maior do dia.
Por isso quando a noite lança seu manto sobre o dia a paz ressuscita. E não é por menos que o corpo pede descanso: a alma grita por silêncio. Nunca somos tão verdadeiros como quando deixamos o silêncio imperar, quando tudo o que temos é um grande vazio. Despido de tudo e inebriados pela fragrância do mais lúgubre silêncio restabelecemos o elo, há muito perdido, com a única e verdadeira paz: a do ventre.
É loucura, eu sei, assim pensar. Na verdade, o que fazemos durante toda nossa existência não é procurar respostas e sim, fugir das perguntas. Fugimos porque é insuportavelmente difícil ouvir o silêncio que nos faz únicos. E assim nos abraçamos ao excesso de palavras para não termos o desgosto de nos conhecer. Falando, em tudo pensamos e de nós esquecemos. Contudo, do silêncio vimos, paro silêncio voltaremos, e eternamente, silêncio seremos.

09.10.2009

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